(In)disponibilidade do interesse público inviabiliza a realização de acordo em ações civis públicas que buscam a reparação de dano ambiental?
Durante décadas perdurou no Brasil a máxima (quase) inquestionável de que a indisponibilidade do interesse público inviabilizaria, por completo, qualquer forma de composição – judicial ou extrajudicial – que envolvesse o meio ambiente. A lógica por trás deste pensamento, repousada sobre bases pouco sólidas, partia da (equivocada) premissa de que o Estado não poderia transacionar o interesse público e, por conseguinte, não poderia abrir mão de qualquer porção de eventual direito decorrente de conduta praticada contra o interesse público.
Referida premissa, no entanto, limita as possibilidades de atuação do Estado, em juízo e fora dele, ao pressupor que a composição envolvendo o Estado culminaria, obrigatoriamente, na disponibilidade do interesse público, ignorando que, por vezes, a composição é, justamente, a melhor forma de satisfazer o interesse público.
A via adjudicatória, apesar de hodiernamente ser escolhida como a “via padrão” pelos órgãos de representação do Estado, nem sempre se mostra como a mais adequada para a proteção do interesse público, tendo em vista a demora na obtenção a tutela jurisdicional, a possibilidade de insucesso da demanda e, especialmente, as dificuldades relacionadas à execução da própria tutela obtida em juízo.
No âmbito das demandas que envolvem a reparação de dano ao meio ambiente – como desmatamento de áreas e/ou espécies protegidos, a poluição de cursos fluviais, a introdução de espécies exóticas em áreas protegidas, dentre outros – a via adjudicatória dificilmente viabilizará a reparação do ambiente lesado de forma integral, comumente desaguando numa sentença de natureza condenatória – cujos valores, caso pagos, dificilmente serão reinvestidos na recomposição do ecossistema lesado.
Em situações desta natureza a via compositiva se mostra adequada à proteção do interesse público – consubstanciado na proteção e/ou recuperação do meio ambiente –, na medida em que viabiliza o estabelecimento, por parte do representante dos interesses estatais, de medidas concretas relacionadas à recuperação do ecossistema atingidos, como o estabelecimento de PRAD (Plano de Recuperação de Áreas Degradadas) que preveja medidas concretas para recuperação da área ao longo de um período de tempo previamente estabelecido, bem como outras medidas relacionadas à preservação do meio ambiente.
Nesta hipótese, o acordo celebrado – tanto judicial quanto extrajudicialmente – formará título executivo que, em caso de descumprimento por parte do infrator, viabilizará a imediata execução, com ônus temporal reduzido com relação à via adjudicatória. De outra banda, a composição será benéfica ao empreendedor ao estabelecer, com reduzido custo financeiro, a dimensão das obrigações que deverão ser cumpridas para reparar o meio ambiente, viabilizando a recuperação do ecossistema de forma escalonada e com menor impacto imediato às finanças.
Por mais que ainda pouco utilizada, a via compositiva é ideal para a conciliação dos interesses público e privado, na medida em que viabiliza a persecução do interesse público pelo Estado de forma idônea, ao mesmo tempo em que viabiliza o estabelecimento de uma solução construída a partir das possibilidades e da realidade do empreendedor.